O
crowdsourcing foi apregoado ao longo dos últimos anos, de meados de 2006 a 2008
como uma solução inovadora para alguns dos entraves mais marcantes das
organizações. O processo de utilizar a sabedoria das multidões – dentro delas
seus próprios clientes, para trazer novas ideias, conceitos e resolver
problemas - começou a ser visto como uma revolução. Afinal, se a opinião do
público era tão precisa quanto se afirmava, e os resultados tão bons, a técnica
se desenhava não apenas como uma alternativa para melhorias e criação internas
de novos produtos/serviços, como também para a própria utilização de agências
terceirizadas de publicidade, marketing e inovação. Afinal, o próprio público seria
o responsável por escolher as campanhas e conceitos que mais lhe trazem impacto.
Ao
longo desses anos, muitas experiências foram feitas com base nesse conceito por
companhias de ponta, como Nike, Procter & Gamble, Starbucks, dentre outras.
Os resultados, em alguns momentos, foram satisfatórios. Em outros, não.
O
objetivo deste artigo é levantar algumas hipóteses tanto para insucessos quanto
sucessos, com base na análise de casos e tendências, assim como apontar para
uma evolução do uso, escorada no Hype Cycle, da Gallup, e nas
práticas de bom uso do crowdsourcing apregoadas por especialistas, como Jeff
Howe.
Conceito
A
origem do crowdsourcing remonta a 2004, quando da publicação da obra Wisdom of the Crowds 1, de
James Surowiecki. O livro traz a ideia central na qual se escora a técnica. Com
base numa série de casos, a obra define que a opinião de um grupo grande de
pessoas, com suficiente independência entre si, diversidade e descentralização,
é mais próxima da realidade do que a opinião de especialistas.
Porém,
foi apenas em 2008 que o conceito foi efetivamente criado, por meio do livro Crowdsourcing 2, do
jornalista norte-americano, Jeff Howe, muito embora a técnica já vinha sendo
usada de maneira incipiente desde meados do ano 2000, quando da criação do site
de colaboração para download e upload de fotos, iStockPhoto 3. A inovação trazida pelo portal era a de
permitir que usuários livremente pudessem fazer o upload de suas fotos no site
e ganhar com isso a partir da venda para outros internautas.
O
crowdsourcing é, portanto, um conceito de negócios que tem como premissa a
utilização da inteligência e dos conhecimentos coletivos e voluntários para
resolver problemas, desenvolver ou aprimorar novos produtos, tecnologias e
serviços, assim como criar conteúdos. A diferença de crowdsourcing para
software aberto é que no caso do primeiro a iniciativa é patrocinada
diretamente por uma organização, enquanto que no segundo pode vir da iniciativa
coletiva de colaborar por parte de um determinado grupo de pessoas.
Assim,
essa técnica tem ajudado as empresas a resolverem problemas e buscarem novas
ideias e conceitos para seus produtos, assim como governos e demais
organizações a superarem desafios relativos às suas áreas de atuação.
Ferramentas
Para
dar início a um projeto de crowdsourcing, é importante conhecer ao menos as mais
importantes ferramentas utilizadas para tornar essa técnica realidade. De
acordo com o autor e reconhecido guru futurista de negócios, Ross Dawson, são
seis as principais ferramentas para dar início a um projeto desse tipo. São
elas:
- Plataformas
de inovação distribuídas – Trata-se de plataformas para dar
suporte aos processos de inovação, como Innovation Exchange e ideaken;
- Plataforma
de ideias –
Espaços onde é possível compartilhar ideias sobre processos internos e
externos, como a plataforma Spigit;
- Prêmios
por inovação
– Desafios criados para fomentar novas ideias, e que premiam os autores
dos melhores trabalhos inovadores;
- Mercados
de conteúdo –
Plataformas onde as pessoas submetem seus conteúdos para outras pessoas
comprarem, como Threadless e Red Bubble;
- Mercados
preditivos -
Bancos de apostas criados em plataformas de Web
2.0, cujo objetivo é prever algo que irá acontecer no futuro por meio da
inteligência coletiva;
- Plataformas
de competição –
Espaço que promove a competição de trabalhos ou ideias criativas, de modo
a identificar expertises e conceitos inovadores. Exemplos: DesignCrowd e CrowdSpring.
Evolução do uso
O
início da popularização do uso do crowdsourcing nas organizações e na mídia,
principalmente nos Estados Unidos, teve como consequência a adoção da prática
por uma série de empresas de grande porte. Os exemplos são os mais variados:
Starbucks, Dell, Procter & Gamble, BestBuy, Nike, dentre outras, fizeram
uso da técnica para aprimorar e criar novos produtos e serviços.
A
utilização com sucesso do crowdsourcing vem aliada a algumas condições. A
principal delas, e defendida de forma ferrenha por grande parte dos precursores
da sua divulgação no meio organizacional, dentre eles Jeff Howe, é que você não
engana o público. O que significa isso, porém?
Para
Howe, o público não é tolo, e sabe quando está sendo apenas usado com o
propósito de ser uma mão-de-obra grátis para uma organização resolver seus
problemas. Segundo ele, o público é movido não apenas pela recompensa, mas pela
satisfação profissional. Ou seja, a própria colaboração pode vir a ser a
recompensa e motivação 4, desde que claramente divulgada e conduzida
por parte da organização.
A
corrida pelo uso dessa técnica inovadora - ainda sem um embasamento profundo
por grande parte das organizações - ao longo dos últimos anos mostrou que o crowdsourcing
pode não trazer resultados tão precisos quanto o esperado. A imprensa
especializada aponta, desde meados de 2008, para alguns resultados pouco
expressivos. O principal motivo, de acordo com grande parte dessas publicações,
dentre elas a BusinessWeek 5,
é o fato de algumas companhias terem adotado o conceito como uma simples
maneira de usar o público para resolver seus problemas, ao contrário do que
prega Howe, sem se preocupar seriamente em oferecer recompensas reais ou uma
divulgação efetiva das boas ideias e de seus autores.
Um
exemplo desse tipo de prática vem do projeto Assignment Zero 6, primeira iniciativa de crowdsourcing
da NewAssignment 7, uma
plataforma com o objetivo de divulgar a inovação no jornalismo. Este projeto de
12 semanas, realizado em 2007, tinha como objetivo a criação de uma reportagem
sobre crowdsourcing e suas melhores práticas em conjunto com os internautas.
Porém,
alguns problemas na sua estrutura levaram o Assignment
Zero a não atingir seu objetivo. Dentre essas dificuldades estava o fato de
o desafio ter sido colocado no site de forma muito vaga, causando confusão
entre os usuários. Além disso, a organização criou tópicos temáticos para os
participantes, porém, eles queriam debater sobre outros assuntos. Por fim, não
havia qualquer moderação para dar boas-vindas aos participantes, e apenas uma
pessoa para responder a dúvidas dos usuários.
Assim,
mesmo com cerca de 500 contribuidores em potencial inscritos no site,
houve
pouca contribuição para o projeto.
Os
problemas levaram os organizadores a recrutarem mais pessoas para a mediação,
porém, tal esforço não ajudou, já que esses profissionais não tinham
experiência no ambiente web. Somente ao fim do projeto foi criado um ambiente
livre de colaboração, por meio de comunidades, onde os usuários puderam
participar abertamente, fato este que levou a um aumento do interesse por parte
dos internautas. Mesmo assim, porém, a participação ainda era baixa, até que os
organizadores descobriram que os participantes estavam mais interessados em
entrevistar especialistas indicados pelo portal do que propriamente escrever um
texto em conjunto.
A
partir do momento em que tal espaço foi liberado, a colaboração aumentou, rendendo
alguns dados interessantes. Entretanto, o resultado ainda foi aquém do
esperado, em virtude também da falta de disponibilidade de todos os
especialistas requisitados para entrevistas 8.
O público em xeque
Essas
distorções no uso da técnica, como as do exemplo do Assignment Zero, trouxeram consigo uma série de dúvidas sobre o
real valor do crowdsourcing para as corporações.
Grande
parte dos problemas levantados veio por meio de articulistas de negócio 9. Uma das críticas é a de
que não é o público quem resolve problemas e traz inovações para as empresas,
mas sim o talento e a dedicação de alguns poucos indivíduos nesse meio, capacitados
para isso e com tempo e vontade de trabalhar nesses conceitos. Tais argumentos,
porém, deixam de lado a ideia de que o crowdsourcing se faz também da
participação coletiva e única de indivíduos, ou seja, tanto da solução em
conjunto de problemas e da colaboração quanto da participação individual, que
pode, por si só, trazer uma solução desejada.
Amadurecimento do uso
Segundo
alguns especialistas voltados a defender o uso do crowdsourcing ante essas
críticas, vale destacar o Crowdsourcing
Directory 10, um blog especializado na técnica, que conta com a
participação de alguns especialistas no assunto de todo o mundo. Uma das ideias
levantadas é a de que o conceito atualmente passa por um processo idêntico ao da
Hype Cycle 11 de tecnologias emergentes, da Gartner,
representado abaixo:
Segundo
os especialistas, o momento de euforia pelo qual as organizações passaram em
relação ao crowdsourcing passou no início de sua implementação seria o “Pico
das Expectativas Inflacionadas”, quando muitas empresas participaram de uma
corrida por esse tipo de inovação. Logo em seguida, com alguns resultados aquém
do esperado, veio o período de “Desilusão”, com o aumento das críticas e a
menor adoção no mundo organizacional.
A
ideia defendida dentro do Crowdsourcing Directory
é a de que passamos atualmente por um período de “Declive de Esclarecimento”,
ou seja, a fase em que o conceito começa a ser melhor entendido e utilizado
pelas empresas, como o próprio Jeff Howe defende em seu blog 13, ou
seja, o uso da técnica de modo valorizar o público e não apenas “usá-lo”.
Assim,
as boas práticas de um projeto bem conduzido de crowdsourcing passam por
elementos como:
• Comunicação clara e sincera com o público
sobre os objetivos do projeto e os desafios apresentados;
• Formas igualmente claras de recompensar o
público pelo esforço. Não é preciso necessariamente uma recompensa em dinheiro,
mas sim expor claramente quais os benefícios decorrentes da participação, como
divulgação do trabalho entre demais colaboradores e empresas, ou a simples
colaboração;
• O público deve ser sempre diversificado, de
modo a poder trazer soluções criativas e diferentes para os problemas;
• O uso de ferramentas e técnicas de mídias
sociais, como comunidades, ajuda na colaboração e troca de conhecimentos entre
os participantes, estimulando mais a participação.
Um
bom exemplo de uso do crowdsourcing vem da companhia de software Mozilla,
responsável, dentre outros produtos, pelo browser Firefox. O modelo adotado
pela empresa é um dos mais bem-sucedidos que existem quanto à colaboração de
pessoas das mais diversas formações. Por meio de uma série de canais disponibilizados
em seu portal 14 na internet, a organização conta com colaboradores
de todo o mundo, responsáveis por cerca de 40% de toda a produção da empresa,
desde códigos até logotipos.
O
modelo de colaboração do Mozilla não se sustenta apenas pelo fato de a
companhia não ter fins lucrativos. De acordo com entrevistas 15
conduzidas junto a contribuidores da empresa, o que importa mesmo é o compromisso
da organização em criar uma comunidade de colaboradores e de liberar o acesso
ao uso dessas inovações.
O
estudo mostrou assim três principais razões que levam ao sucesso do modelo de
crowdsourcing do Mozilla:
•
Os interesses da organização estão alinhados aos do público;
•
Os usuários podem obter reconhecimento pelos seus esforços;
•
Os participantes podem interagir livremente com outros internautas com os
mesmos interesses.
Além
disso, algumas outras iniciativas servem para reforçar a ideia de amadurecimento
do uso da técnica, como a utilização com sucesso do crowdsourcing por Barack
Obama 16 em sua campanha eleitoral; o uso da técnica por parte do
governo de Cingapura 17 para reduzir os gastos com projetos
desnecessários para a população; e a iniciativa holandesa do Battle Of Concepts 18, que
oferece aos estudantes universitários a possibilidade de auxiliar as
organizações na solução de problemas internos, dando-lhes visibilidade no
mercado.
Conclusão
O
crowdsourcing, assim como grande parte das novas técnicas oriundas da difusão
da Web 2.0 no dia a dia das corporações, ainda carece de tempo e uso para ser
devidamente utilizado e para que se possa entender claramente quais as melhores
maneiras que a técnica poderá ajudar as organizações em seus processos internos
e inovações.
Fica
evidente, porém, que o crowdsourcing passa por um período de amadurecimento de
uso. Se por um lado as críticas e alguns maus resultados na implementação do
conceito o colocaram em xeque em determinado momento, por outro têm servido
como ferramenta natural para que a técnica tenha suas boas práticas de uso
sedimentadas pelo mercado.
Em
muito isso vai depender da adoção correta desta técnica pelas organizações: a
utilização efetiva do crowdsourcing como via de mão dupla. Ou seja, se por um
lado as corporações ganham com as ideias e o trabalho dos usuários, por outro, o
público também é beneficiado, seja com a pura e simples satisfação em colaborar,
seja com a divulgação de seu trabalho, ou com algum outro tipo de prêmio. A
ideia central, novamente, é a de que a organização deve ser direta e sincera
com o público e não tentar enganá-lo com recompensas que pouco agregam, ou com
uma falsa cultura de colaboração.
Com
o amadurecimento do uso, o crowdsourcing segue agora na fase que a Gartner
denomina como “Plateau de Produtividade”, ou seja, o momento em que a nova
tecnologia entra em um período de uso “sustentável”: atinge seu estágio de
maturidade no mercado. Porém, ainda não é o momento de se trazer uma definição
precisa de como será o futuro do seu uso, seja por grandes empresas, seja por
iniciativas de pequenos empreendedores, mas sim destacar que a boa utilização
da técnica aponta diretamente para benefícios tangíveis e claros para as
organizações.
Bibliografia
- SUROWIECKI, James. The Wisdom of
Crowds: Why the Many Are Smarter Than the Few and How Collective Wisdom
Shapes Business, Economies, Societies and Nations.Doubleday, Anchor, 2004,
EUA, 336 pgs.
- HOWE, Jeff. Crowdsourcing. Why the Power of the Crowd
is Driving the Future of Business. Crown Business, 2008, EUA, 312 pgs.
- http://istockphoto.com
- BRABHAM, Daren C. Moving the
Crowd at Threadless: Motivations for Participation in a Crowdsourcing
Application.
http://www.darenbrabham.com/files/brabhamthreadless.pdf - http://www.businessweek.com/innovate/content/jan2010/id20100122_047502.htm
- http://zero.newassignment.net/
- http://www.newassignment.net
- GEERTS, Simone, A. M.
Discovering Crowdsourcing. Theory, Classification and Directions for Use. http://alexandria.tue.nl/extra2/afstversl/tm/Geerts%202009.pdf
- http://www.forbes.com/2009/09/28/crowdsourcing-enterprise-innovation-technology-cio-network-jargonspy.html
- www.crowdsourcingdirectory.com
- http://www.gartner.com/pages/story.php.id.8795.s.8.jsp#2
- http://en.wikipedia.org/wiki/Hype_cycle
- http://crowdsourcing.typepad.com/
- http://www.mozilla.org
- http://www.businessweek.com/technology/content/jul2009/tc2009071_384108.htm
- http://change.gov
- http://app.mof.gov.sg/cutwaste
- www.battleofconcepts.nl; www.battleofconcepts.com.br