terça-feira, 26 de outubro de 2010

TRADE-OFF ESTRATÉGICO: O AMBIENTE MOLDA A ESTRATÉGIA E FORÇA REPENSAR O MODELO DE NEGÓCIOS (Toyota e Dell)

Durante os vários dias que se passaram fiz observações e consegui registrar algumas percepções do ambiente competitivo de duas empresas de grande evidência. Antes de tudo, sei que não é possível dissecar o tema num blog, por isso o quadro que tento pintar aqui não é a cobertura total, são somente algumas percepções. De início observei que a guerra no ambiente competitivo da Toyota Motors e a Dell Computers não é um simples problemas e parece que não está sendo fácil para ninguém, nem mesmo para as mais admiradas. Notei que as mudanças no ambientes ou visões de futuro estabelecidas pelo management da organização conduzem ou exigem deles decisões acompanhadas de significativos trade-offs estratégicos. Ao mesmo tempo a questão central que observei que são empresas reconhecidas pela sua capacidade competitiva e por possuirem modelos de negócios admirados por serem inovações de alto nível. O que me chamou a atenção nestes casos é que temos aqui um processo decisório que terminou afetando nos imperativos dos seus modelos de negócio. Estas empresas são também reconhecidas como a pioneira e a líder em abordagem lean fora da indústria automobilística respectivamente, e se tornou a essência de seu modelo de negócios e de gestão.

Conceitos de estratégia são relevantes nesta observação. Principalmente, com o que Professor Michael Porter já ensinou há tempos, “o ambiente competitivo molda a estratégia da organização” e duas outra lições não menos importantes que ensinam que “uma empresa bem sucedida é tudo menos simples” e a última que “a estratégia é muito mais a decisão do que não fazer”, mostra que a vida do gestor estratégico de negócios ganhadores não é nada fácil.
A moldagem da estratégia é um processo de alta complexidade e requer decisões e ações estratégicas em função do entendimento de um ambiente competitivo externo cheio de surpresas e mudança constante e das capacidades e competências internas que são de considerável complexidade. Por outro lado modelar negócios é uma arte e precisa estar em consonância com as posições e posturas estratégicas definidas. É importante saber que criar um modelo de negócios com uma estratégia vencedora faz parte da arte da gestão da inovação estratégica como também de habilidade em gestão de mudança em função do conhecer, conviver e saber tratar as questões do setor, alinhando suas capacidades e competências com as exigências do mesmo, conhecer o mercado (clientes e concorrentes) e não menos importante saber como o mundo em torno e suas mudanças constantes afetam e afetarão o seu negócio.

Toyota Motors

Acredito que quase sempre os CEO´s são forçados a atender as exigências dos acionistas com maiores taxas de crescimento e lucratividade para manter seus investimentos no mesmo nível de confiança, decisões devem ser tomadas conduzindo a uma seqüência de trade-offs estratégicos que por mais que se deseje não afetar a essência nos modelos de negócio, mesmo assim termina alguma coisa sendo sacrificada. A Toyota Co. a algum tempo realiza mudanças com relação a que, como e a quem produzir carros.

Uma questão básica de qualquer empresa especialmente para uma das pioneiras cuja base do modelo de gestão é o TQC ou CWQC japonês e detentora do prestigiado Prêmio Deming, está deixando muito a desejar visto que nos últimos anos um rastro de péssimos antecedentes de de recall está arranhando a imagem da Toyota. A nossa sensibilidade com relação aos recalls de automóveis podem ser tolerados quando as empresas são americanas ou européias, subconscientemente para nós a coisa é que isso pode acontecer com qualquer um, menos com a Toyota que tanto fez alarde de sua excelente qualidade. A opinião pública e o legado por traz da marca nacional “Made in Japan” não tolera tal coisa. Como dizem por aí, quanto mais alto maior a queda.

Como principal causa destes eventos indesejáveis é apontada a velocidade com que a Toyota cresce em nível global no desejo de se tornar a maior e melhor do mundo na indústria automobilística. No caso da Toyota se percebe também que existe no pano de fundo da visão de futuro de ser a No 1 uma questão de honra no espírito típico japonês e que a decisão pode estar levando a um comportamento e decisão conhecida como “custe o que custar”.

Tenho registros que fiz numa viagem de capacitação no Japão em 1997, um dos especialistas japoneses (Sr. Y. Tsutsumi) em sistemas lean de produção, apontou naquele tempo sinais e estudos já indicavam mudanças no comportamento estratégico da Toyota rumo ao crescimento.

Recentes tendências percebidas na Toyota
23 de janeiro de 1997
O que está mudando?
Estilo de produção
1. De “Grande variedade e pequena quantidade” para “pequena variedade e grande quantidade”
2. Estoque é mais ou menos necessário para aliviar os riscos
3. De “Human-oriented” para “Further emphasis on the machine”
Características
1. Indo em sentido contrário à produção em massa. Maior lucro em termos de produção em larga escala
2. Empoderamento do equipamento
3. Compromisso com o presente estilo de vida dos mais jovens
4. Priorizando a realidade antes do que a idéia
Novo Sistema Toyota de Produção
1. Kanban de Recursos Humanos
2. Custo de Mão de Obra: Mudança de custo fixo para custo variável

A visão de futuro Toyota de se tornar a No 1 ou a tradução através da formalização da meta de 15% no market-share do mercado mundial da indústria automobilística mostram claramente os propósitos da organização. Exigiu da empresa uma expansão global, alcançando taxas de crescimento de 11% ao ano. Entre 1995 o número de plantas da montadora era de 26, até 2006 o número foi duplicado. Ao crescer com prazos apertados teve que bater direto com circunstâncias adversas no contexto do Recurso Humano disponível competente, sendo um modelo dependente de pessoas para funcionar nos moldes do Sistema Toyota de Produção (STP) isto se tornou uma questão muito séria. Pesquisando no Google (recall e Toyota) fica claro que a empresa está com um problema crônico. Em 2003 o número de recalls na Toyota no Japão foi de um milhão, entre 2004 a 2006 alcançou os 1.8 milhões. O Presidente na ocasião era o famoso Katsuaki Watanabe que pediu desculpas em público pelos problemas causados aos clientes. Ultimamente foi a vez do Akio Toyoda (Presidente da Toyota) que também falou publicamente pela primeira vez depois do recall de 8 milhões de carros no exterior. Aqui no Brasil a mesma história de recalls que parecia nunca aconteceria com a Toyota. Em 2006 Watanabe e diretores admitiram que uma das principais causas do problema seja conseqüência de trade-offs em função das metas de crescimento da empresa a taxas detrimento da falta de capacidade de RH disponível e preparada. Especificamente, faltaram colaboradores japoneses experientes no Gemba, para poder colocar as operações no exterior no prumo segundo as exigências do STP. Mesmo com as iniciativas para reverter este quadro nos primeiros cinco anos entre 2000 a 2005. Projetos como implantação de enormes estruturas de capacitação denominadas como Global Production Centres, que são bases de treinamento distribuídas globalmente (Estados Unidos, Tailândia e Reino Unido). Pelas notícias na mídia dá para ver que ainda não está conseguindo reverter os problemas sérios indicados pela continuidade no número de recalls.

Alega-se que o aumento na complexidade dos carros esteja também causando problemas. Pelo que entendo a causa possível de recalls pode ter origem na fase do design e desenvolvimento do produto, como também na fase produção pelas falhas nos procedimentos de garantia e controle. Na primeira possibilidade também existem procedimentos como qualquer sistema de qualidade japonês (de garantia e controle) e há muito tempo que isto é básico. Se isto aconteceu ou está acontecendo, a Toyota tem como resolver este problema rapidamente. Para o caso de problemas gerados onde a qualidade é construída, ou seja no gemba (chão de fábrica), a coisa é diferente. Ao avaliar as notícias e o que conheço da Toyota a solução não é trivial, principalmente desde o ponto de vista que ser a Toyota traz uma série de requisitos exigidos pelo modelo de negócio e gestão escolhido. Em outras palavras, uma empresa que é focada no cliente melhorando sempre (kaizening), mais ao mesmo tempo dependente da participação de todos os seus colaboradores, isto exige a construção de uma cultura participativa e colaborativa. Em vários casos bate direto com a cultura local e dificultando a adaptação das pessoas com esta abordagem e modelo de gestão orientado a gente. Existe uma alta expectativa de que estas alcançarão as habilidades e competências necessárias nos prazos puxados pelas metas de crescimento estabelecidas. Quando a Toyota e GM iniciaram a Joint Venture NUMMI em 1984, um fato curioso no início do processo foi que a empresa teve grandes desafios de língua e culturais e no início da produção tiveram muitos problemas e demorou um mês para cair a ficha do pessoal da GM e aceitar a nova forma de fazer as coisas. Agora quando a Toyota implanta fábricas em locais com baixa cultura industrial, o desafio e as fichas que precisam cair parecem estar sendo mais demoradas. Da mesma maneira a Toyota teve que adotar novas políticas de escolha ao ter que integrar-se com novos fornecedores, onde muitos deles não são ou não eram compatíveis em competência e capacidade para os moldes tradicionais das exigências do STP. Este contexto e outros fatores afetaram diretamente nos resultados do sistema de garantia da qualidade, parte fundamental do Sistema de Gestão Toyota.

No mundo corporativo existe muito mais uma expectativa positiva que a Toyota irá superar esta fase e se tornar na maior e melhor do mundo, porém consistentemente. A sua cultura de melhoria contínua (kaizen) mesmo funcionando no modo tartaruga e não no modo lebre mostrará que a Toyota veio para ser a maior, mais exigirá de mudanças profundas para manter-se na liderança. Os koreanos não irão esperar o professor se recompor para avançar, sem ser sarcástico mais sendo, os koreanos aprenderam tudo com os japoneses quando se fala em gestão da qualidade e produtividade. O exemplo da Sansung e a esmagadora e progressiva superação sobre a Sony é um exemplo que mostra que não se pode bobear. Ao mesmo tempo todos têm perdido a fé que GM ou Ford se recuperarão ou superarão a situação atual ou atoleiro em que se encontram. São empresas que perderam identidade e não possuem uma cultura que as faça ressurgir.

Para os interessados de um texto mais profundo sobre o tema, o livro “RELATORIO TOYOTA” dos autores Hirotaka Takeuchi, Emi Osono, Norihiko Shimizu, John Kyle Dorton e Carlos Szlak, descreve o atual comportamento estratégico da Toyota com muitos detalhes das decisões estratégicas definidas como contradições que a orientam a ser a maior e melhor do mundo. A Toyota já foi a melhor, precisa dar a volta por cima, somente que agora sendo a maior do mundo, baita desafio!.

Dell Computers

Após a saída de Kevin Rollins (ex Presidente e CEO) Michael Dell ao reassumir a direção da Dell Computers, no início teve que fazer alguns trade-offs estratégicos relativos a uma das premissas do seu invejável modelo de negócio, que se fundamentava em não usar intermediários para vender seus computadores (PC e Servidores). Parece que teve que se render ao varejo, mais pelo novo contexto do mercado de computadores e os novos padrões de consumo. Inicialmente a Dell testou pontos de experimentação dos seus produtos no mundo físico do varejo (lojas de demonstração em shoppings). Depois foi um namoro rápido e experimental com o Wall-Mart que finalizou consolidando sua entrada explícita nas cadeias de consumo varejista. Hoje intermediários vendem computadores Dell em várias redes de canais do varejo físico e virtual (tais como Lojas Americanas). Apontamos aqui que estes tipos de trade-offs estratégicos afetam diretamente o modelo de negócios da Dell.

Acredito que no curto prazo os clientes experientes (normalmente compradores que já possuíam um computador) na sua maioria serão os clientes que compram computadores pela web diretamente com a Dell, não mudando muito o que já se fazia antes com muita competência. O problema que vislumbro é de confundir o novo cliente em função da sua experiência de compra deixando-os confusos na hora de avaliar a proposta de valor Dell. Por outro lado tenho algumas dúvidas com relação ao desempenho da empresa pelas mudanças no conceito do modelo do negócio, implicando que vender para o varejo afetará diretamente na estrutura de custos e no fluxo de receitas. Conseqüentemente, o fluxo e modelo de receitas, para a Dell sempre foram orientadas para alcançar as melhores margens do setor se comparar com outros players do setor. Sabemos que o varejo tem capturado muito do valor gerado dos fabricantes e seu poder no mercado é muito tentador para as empresas, principalmente para dar vazão à sua produção e manter o custo unitário aceitável aos critérios de precificação e lucratividade.

Agora, um outro possível problema a ser criado são os conflitos com o sistema de produção da Dell que foi idealizado para funcionar dentro de uma abordagem lean, ou seja orienta a venda e produção seguindo um fluxo contínuo e puxado (as vendas puxam o fluxo de produção orientado ao cliente). A não ser que a Dell esteja evoluindo rapidamente para uma abordagem de customização em massa, que no mundo que conheço a considero uma utopia entre os modelos de produção de alto volume.

Lembro bem a recomendação da maioria dos gurus de estratégia que advertem “não ser tudo para todos“, por isso em alguns casos alguns tipos de trade-offs que batem direto com este princípio pode ser um grande risco. Percebo que o comportamento de consumo mudou junto com a popularização do computador formatando um novo perfil da demanda, estão sim afetando e moldando a estratégia da Dell. Em outras palavras o computador se torna seguramente num produto commodity em níveis de desempenho chegando a seu limite físico. Um desafio não muito simples de gerenciar para algo que no sentido da dinâmica da inovação o PC está entrando na curva de maturidade exigindo pensar em criar novas curvas e não mais um rejuvenescimento forçado. O setor está embolado com a velha concepção do PC e precisa de uma reformulação ou ser criado um novo conceito de produto. Não será uma tarefa simples. Quem trouxer uma saída neste aspecto vai ganhar muito mesmo. Os substitutos do PC são as forma como o mercado se acomoda e onde o valor está migrando de um modelo de negócio em obsolescência para o mais promissor. Um exemplo vivo é o surgimento dos smartphones cada vez mais parrudos em desempenho. As tecnologias disruptivas também irão forçar as mudanças como é o caso da memória flash que está redefinindo muita coisa no setor.

Manter-se na liderança ou alcançá-la não sempre foi uma coisa simples nem fácil para ninguém. Não podemos nunca pensar que os concorrentes ou novos entrantes estão felizes nas suas posições atuais e estão adorando conviver com você no oceano vermelho. Acredito também que existem os oceanos azuis como descritos por W. Cahn Kim e Renée Mauborgne, e está escondido pronto para ser descoberto e que os modelos de negócio são um elemento fundamental para o negócio ganhar o jogo.

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