sábado, 24 de outubro de 2009

Inovação na Gestão Urbana e a Qualidade de Vida nas Cidades

Dez anos atuando em projetos no setor público me ajudaram a entender um pouco dos desafios enfrentados pelos governantes municipais e equipe. Consegui com o tempo alguma habilidade de observação do ecossistema cidade e é claro como engenheiro tenho também o meu olhar naturalmente analítico e consigo identificar os pontos chave da problemática de uma cidade. Também pesquisando continuamente sobre soluções inovadoras nas áreas de gestão pública e de cidades, tecnologias e novas práticas, me ajudam a ter uma visão do que uma cidade precisa para alcançar melhores níveis de qualidade de vida. Hoje quando visito cidades de porte visualizo facilmente a existência de uma gestão efetiva orienta a pessoas ou um governo ignorante do que significa gerenciar o complexo sistema de uma cidade.

O Brasil é um exemplo de grandes diferenças entre a cidade que é orientada à felicidade das pessoas e aquelas cidades no caos ou rumo ao caos sem retorno. O termo usado no mundo para qualidade de vida nas cidades é conhecida como livable cities. Existem indicadores de qualidade de vida em cidades. Os mais conhecidos são: da Mercer Consulting; o da revista Economist e o index da revista Monocle. Pelos resultados nas listas das 10 melhores, as que se destacam nas três listas são: Vienna - Austria, Vancouver - Canadá e Melbourne - Australia estão entre as melhores do mundo.

(http://www.livablecities.org/ ;

http://en.wikipedia.org/wiki/World's_most_livable_cities).

Em termos de qualidade de vida, São Paulo caiu da 114ª posição em 2007 para a 119ª neste ano (ver).

Por exemplo, quando se pesquisa na web sobre a região metropolitana de Vancouver se descobre o que torna possível estar nestas listas entre as dez melhores. Pode-se entender que sua classificação não veio por uma simples conclusão de fazer parte de um país como o Canadá. É claro que ajuda mas não é tudo. Ressalto que a existência de uma gestão estratégica consistente e que vem sendo executada de forma magistral colabora para Vancouver ser uma das cidades com melhor qualidade de vida no mundo.

Transformar uma cidade em situação caótica em um lugar com alta qualidade de vida é uma tarefa tremendamente desafiadora. O grande obstáculo é a existência de hiatos entre o que deveria ter sido feito há muito tempo atrás e a situação atual e sua realidade a que os cidadãos são submetidos nas grandes cidades. Os hiatos são especialmente amplos e volumosos em cidades como São Paulo. O meu primeiro contato com a cidade de São Paulo no início dos anos 80 e também quando vivi lá por dois anos nos 90, foi uma experiência muito boa e poderia dizer que gostava da cidade, a locomotiva brasileira. A cidade mostrava ser a verdadeira metrópole da américa do sul, de riquezas culturais significativas e uma dinâmica sócio-econômica substancial, sistema de transporte em plena expansão e diversificação e investimentos consistentes por toda a cidade. Nestes últimos dois meses (setembro e outubro de 2009), circulando pela cidade (centro e periferia) de São Paulo ganhei uma nova visão sobre a cidade e minha percepção é que o hiato está ficando maior e com possibilidades de não mais retorno. A possibilidade de não ter mais retorno são cada vez mais uma grande probabilidade para o futuro de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Ou seja, os investimentos necessários para encurtar este hiato são de um tamanho tal que não existem recursos disponíveis viáveis para reverter o quadro.

Planejamento de longo prazo e atuação permanente de uma gestão consistente foi chave para a maioria das cidades com qualidade de vida. Quem fica parado provavelmente tende a ficar cada vez pior. A forma de ver isto é o caso da escada rolante descendo e uma pessoa tentando subir. O futuro de uma cidade com qualidade de vida é alcançado subindo a escada. Se esta parar, a coisa inicia o processo de pioria contínua. Se a pessoa sobe na mesma velocidade da escada (consegue manter o status quo), dentro de uma visão relativa este fica parada na escada. A forma de sair da situação é andar mais rápido ou superar a conjuntura criada pela realidade e seu entorno e superando os desafios através de inovações. Uma gestão estratégica da cidade como também manter uma atitude e ação inovadora, ajuda a superar a subida na escada.

A cidade de São Paulo em sua busca por soluções está apostando em possíveis saídas para solucionar seu caos no sistema viário e de transporte público. Uma das propostas de solução é tornar economicamente proibitivo circular com automóveis pelo centro da cidade aplicando um pedágio no centro da cidade como fez Londres com o uso intensivo de TIC. Outra saída proposta para São Paulo é mais km de metro / ano. Até 2006 eram 1,5 km por ano de metro, a meta hoje é dobrar este valor. Vejo que as medidas realmente não são suficientes para uma cidade onde os engarrafamentos são diários e sem hora de rush marcada, como seria o normal. O fracasso do transporte público nas ruas de São Paulo mostra que as propostas são somente para manter o status quo. Mais de 1,2 milhões de veículos por ano que entram em circulação na cidade de São Paulo mostra que talvez o futuro seja não conseguir manter nem o status quo, o mais certo será que o sistema travará a qualquer momento. Não existe o botão de reset para este tipo de sistema. O que mais pesa é que hoje são bilhões de R$ perdidos em produtividade por ano com pessoas que ficam ociosas em automóveis e ônibus por mais de quatro horas no transito na maioria do tempo da semana.

A cidade de São Paulo é o típico caso da necessidade de inovações de alto nível e de peitar pela sua implementação. É necessário quebrar o status quo e os acordos para mantê-lo. Tecnicamente, é um desafio realmente de alta complexidade, que requer inovações de nível superior e liderança criativa e visionária. Muitas políticas públicas poderão ser de extrema impopularidade no início devem ser desenvolvidas e aplicadas como também mudanças institucionais profundas. Sabemos claramente que não é um problema simples de engarrafamento senão um problema sistêmico de hiper complexidade. Uma cidade é muito mais do que ruas, praças, escolas, hospitais e sistema de transporte.

Sabemos quando se dão exemplos de outros lugares, as pessoas imediatamente reagem dizendo que é tudo diferente e que não dá para comparar e que não se conhece a realidade do local. O exemplo que trago é Bogotá Colômbia onde grandes mudanças foram implementadas no início do século 21. Cidades da Colômbia enfrentavam problemas sérios de segurança, nos anos 90 eram conhecidas como um dos lugares mais perigosos do mundo, se poderia dizer que para muitos não tinham retorno. Bogotá tinha um sistema caótico de transporte, controlado pela máfia colombiana e todas as mazelas que acompanham o quadro sócio-econômico da maioria dos países de América Latina. Hoje Bogotá com mais de 7 milhões de habitantes com um sistema de transporte público de invejar, alias copiado de uma cidade brasileira, a famosa Curitiba. Os governantes peitaram e implementaram inovações no sistema urbano, valorizando as pessoas mais que os automóveis. A violência diminui ano a ano, o PIB da Colômbia cresce a mais de 8 a 9 % ao ano e todos os benefícios de acreditar em idéias e coragem de implementar enquanto tudo era contra, não somente buscando votos senão qualidade de vida para a maioria.

Curitiba e todas as inovações e propostas que conseguiu implementar são geralmente desprezadas por nossos técnicos municipais na maioria das cidades do Brasil, alegando uma série argumento de que Curitiba é mais marketing e que as características de Curitiba é o que torna possível o seu sistema funcionar. Por outro lado tem Colombianos, Equatorianos, Norte Americanos (de Los Angeles California), Panamenhos e Filipinos, usando as invenções sociais de Curitiba. Agora me digam que cidade do Brasil utiliza as criações de Jaime Lerner e tem implementado uma gestão com um planejamento de longo prazo em suas cidades e alcançado níveis superiores de desempenho? São muito poucas. Alguns utilizaram vias dedicadas para ônibus em seus sistemas, de forma tímida na maioria das vezes. Na maioria dos casos o famoso ditado "fora, não inventado aqui" é muito presente no país.

Também, a questão não é somente copiar senão adotar atitude inovadora e a prática de planejamento e visão de longo prazo, criando o futuro e não se adaptando a ele. Morei 4 anos e meio na cidade de Curitiba e ir de ônibus ao centro era mais racional, conveniente, confortável e pontual do que ir de carro. Isso é política púbica de valor convincente!. Cada vez que viajo para lá vejo que a cidade não espera ser pega pela conjuntura e seu entorno, mesmo tendo grandes problemas para solucionar, não se percebe algo como um futuro sem retorno. Todo mundo sabe o poder de atração que cidades com qualidade de vida atraem emigrantes como flores atrai as abelhas, criando taxas de crescimento demográfico superiores a 2 ou 3% e sem uma ação eficaz teremos problemas no futuro. Ações claras de gestão estratégica e a aplicação dos instrumentos tecnológicos e legais devidamente desenvolvidos tornam possível solucionar problemas sérios como crescimento desordenado que é um dos calcanhares de Aquiles de muitas cidades.

Moro em uma cidade (Florianópolis) onde o hiato está surgindo em tamanho e gradualmente perceptível em função do seu crescimento, em vários momentos muito desagradável por saber que pouco está sendo feito para solucionar.

Acredito que toda cidade precisa de uma gestão estratégica, pode ser algo centralizado como é o caso de Curitiba ou uma forma mais participativa e democrática como é o caso das famosas cidades e regiões como Barcelona, Valencia e Mondragon (Espanha), Vancouver (Canadá), Tampa Bay, Silicon Valley e San Francisco (USA) para mencionar algumas. O importante não é qual é a melhor, mas o que é urgente decidir é que alguém assuma a responsabilidade de criar um futuro para a cidade. Ela não surge do nada.

Alguns políticos olham o planejamento estratégico de cidades como projetos somente para aparecer no cenário político ou unicamente para aumentar o seu capital político dentro de um pensamento de imediatismo absoluto. De um ponto de vista de inteligência política aderir a este tipo de projeto é razoável, porém sem esquecer de considerá-lo um meio e não um fim. Confundir isto é o primeiro passo para o fracasso de muitos planejamentos de cidades e essencialmente da gestão da cidade. Outra causa de fracasso é a falta de competências para coordenar, elaborar e executar o planejamento estratégico de uma cidade, em outras palavras criar um processo de gestão estratégica requer também uma estrutura organizacional e competências que possibilite capacidade executiva.

Inovação necessária e urgente no governo e em como encaramos os grandes problemas nas cidades é um imperativo.

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