quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Crowdsourcing: o público como aliado das corporações

Artigo de Alex Sanghikian

O crowdsourcing foi apregoado ao longo dos últimos anos, de meados de 2006 a 2008 como uma solução inovadora para alguns dos entraves mais marcantes das organizações. O processo de utilizar a sabedoria das multidões – dentro delas seus próprios clientes, para trazer novas ideias, conceitos e resolver problemas - começou a ser visto como uma revolução. Afinal, se a opinião do público era tão precisa quanto se afirmava, e os resultados tão bons, a técnica se desenhava não apenas como uma alternativa para melhorias e criação internas de novos produtos/serviços, como também para a própria utilização de agências terceirizadas de publicidade, marketing e inovação. Afinal, o próprio público seria o responsável por escolher as campanhas e conceitos que mais lhe trazem impacto.

Ao longo desses anos, muitas experiências foram feitas com base nesse conceito por companhias de ponta, como Nike, Procter & Gamble, Starbucks, dentre outras. Os resultados, em alguns momentos, foram satisfatórios. Em outros, não.

O objetivo deste artigo é levantar algumas hipóteses tanto para insucessos quanto sucessos, com base na análise de casos e tendências, assim como apontar para uma evolução do uso, escorada no Hype Cycle, da Gallup, e nas práticas de bom uso do crowdsourcing apregoadas por especialistas, como Jeff Howe.

Conceito

A origem do crowdsourcing remonta a 2004, quando da publicação da obra Wisdom of the Crowds 1, de James Surowiecki. O livro traz a ideia central na qual se escora a técnica. Com base numa série de casos, a obra define que a opinião de um grupo grande de pessoas, com suficiente independência entre si, diversidade e descentralização, é mais próxima da realidade do que a opinião de especialistas.

Porém, foi apenas em 2008 que o conceito foi efetivamente criado, por meio do livro Crowdsourcing 2, do jornalista norte-americano, Jeff Howe, muito embora a técnica já vinha sendo usada de maneira incipiente desde meados do ano 2000, quando da criação do site de colaboração para download e upload de fotos, iStockPhoto 3. A inovação trazida pelo portal era a de permitir que usuários livremente pudessem fazer o upload de suas fotos no site e ganhar com isso a partir da venda para outros internautas.

O crowdsourcing é, portanto, um conceito de negócios que tem como premissa a utilização da inteligência e dos conhecimentos coletivos e voluntários para resolver problemas, desenvolver ou aprimorar novos produtos, tecnologias e serviços, assim como criar conteúdos. A diferença de crowdsourcing para software aberto é que no caso do primeiro a iniciativa é patrocinada diretamente por uma organização, enquanto que no segundo pode vir da iniciativa coletiva de colaborar por parte de um determinado grupo de pessoas.

Assim, essa técnica tem ajudado as empresas a resolverem problemas e buscarem novas ideias e conceitos para seus produtos, assim como governos e demais organizações a superarem desafios relativos às suas áreas de atuação.

Ferramentas

Para dar início a um projeto de crowdsourcing, é importante conhecer ao menos as mais importantes ferramentas utilizadas para tornar essa técnica realidade. De acordo com o autor e reconhecido guru futurista de negócios, Ross Dawson, são seis as principais ferramentas para dar início a um projeto desse tipo. São elas:

  1. Plataformas de inovação distribuídas – Trata-se de plataformas para dar suporte aos processos de inovação, como Innovation Exchange e ideaken;
  2. Plataforma de ideias – Espaços onde é possível compartilhar ideias sobre processos internos e externos, como a plataforma Spigit;
  3. Prêmios por inovação – Desafios criados para fomentar novas ideias, e que premiam os autores dos melhores trabalhos inovadores;
  4. Mercados de conteúdo – Plataformas onde as pessoas submetem seus conteúdos para outras pessoas comprarem, como Threadless e Red Bubble;
  5. Mercados preditivos - Bancos de apostas criados em plataformas de Web 2.0, cujo objetivo é prever algo que irá acontecer no futuro por meio da inteligência coletiva;
  6. Plataformas de competição – Espaço que promove a competição de trabalhos ou ideias criativas, de modo a identificar expertises e conceitos inovadores. Exemplos: DesignCrowd e CrowdSpring.

Evolução do uso

O início da popularização do uso do crowdsourcing nas organizações e na mídia, principalmente nos Estados Unidos, teve como consequência a adoção da prática por uma série de empresas de grande porte. Os exemplos são os mais variados: Starbucks, Dell, Procter & Gamble, BestBuy, Nike, dentre outras, fizeram uso da técnica para aprimorar e criar novos produtos e serviços.

A utilização com sucesso do crowdsourcing vem aliada a algumas condições. A principal delas, e defendida de forma ferrenha por grande parte dos precursores da sua divulgação no meio organizacional, dentre eles Jeff Howe, é que você não engana o público. O que significa isso, porém?

Para Howe, o público não é tolo, e sabe quando está sendo apenas usado com o propósito de ser uma mão-de-obra grátis para uma organização resolver seus problemas. Segundo ele, o público é movido não apenas pela recompensa, mas pela satisfação profissional. Ou seja, a própria colaboração pode vir a ser a recompensa e motivação 4, desde que claramente divulgada e conduzida por parte da organização.

A corrida pelo uso dessa técnica inovadora - ainda sem um embasamento profundo por grande parte das organizações - ao longo dos últimos anos mostrou que o crowdsourcing pode não trazer resultados tão precisos quanto o esperado. A imprensa especializada aponta, desde meados de 2008, para alguns resultados pouco expressivos. O principal motivo, de acordo com grande parte dessas publicações, dentre elas a BusinessWeek 5, é o fato de algumas companhias terem adotado o conceito como uma simples maneira de usar o público para resolver seus problemas, ao contrário do que prega Howe, sem se preocupar seriamente em oferecer recompensas reais ou uma divulgação efetiva das boas ideias e de seus autores.

Um exemplo desse tipo de prática vem do projeto Assignment Zero 6, primeira iniciativa de crowdsourcing da NewAssignment 7, uma plataforma com o objetivo de divulgar a inovação no jornalismo. Este projeto de 12 semanas, realizado em 2007, tinha como objetivo a criação de uma reportagem sobre crowdsourcing e suas melhores práticas em conjunto com os internautas.

Porém, alguns problemas na sua estrutura levaram o Assignment Zero a não atingir seu objetivo. Dentre essas dificuldades estava o fato de o desafio ter sido colocado no site de forma muito vaga, causando confusão entre os usuários. Além disso, a organização criou tópicos temáticos para os participantes, porém, eles queriam debater sobre outros assuntos. Por fim, não havia qualquer moderação para dar boas-vindas aos participantes, e apenas uma pessoa para responder a dúvidas dos usuários.

Assim, mesmo com cerca de 500 contribuidores em potencial inscritos no site,
houve pouca contribuição para o projeto.

Os problemas levaram os organizadores a recrutarem mais pessoas para a mediação, porém, tal esforço não ajudou, já que esses profissionais não tinham experiência no ambiente web. Somente ao fim do projeto foi criado um ambiente livre de colaboração, por meio de comunidades, onde os usuários puderam participar abertamente, fato este que levou a um aumento do interesse por parte dos internautas. Mesmo assim, porém, a participação ainda era baixa, até que os organizadores descobriram que os participantes estavam mais interessados em entrevistar especialistas indicados pelo portal do que propriamente escrever um texto em conjunto.

A partir do momento em que tal espaço foi liberado, a colaboração aumentou, rendendo alguns dados interessantes. Entretanto, o resultado ainda foi aquém do esperado, em virtude também da falta de disponibilidade de todos os especialistas requisitados para entrevistas 8.

O público em xeque

Essas distorções no uso da técnica, como as do exemplo do Assignment Zero, trouxeram consigo uma série de dúvidas sobre o real valor do crowdsourcing para as corporações.

Grande parte dos problemas levantados veio por meio de articulistas de negócio 9. Uma das críticas é a de que não é o público quem resolve problemas e traz inovações para as empresas, mas sim o talento e a dedicação de alguns poucos indivíduos nesse meio, capacitados para isso e com tempo e vontade de trabalhar nesses conceitos. Tais argumentos, porém, deixam de lado a ideia de que o crowdsourcing se faz também da participação coletiva e única de indivíduos, ou seja, tanto da solução em conjunto de problemas e da colaboração quanto da participação individual, que pode, por si só, trazer uma solução desejada.

Amadurecimento do uso

Segundo alguns especialistas voltados a defender o uso do crowdsourcing ante essas críticas, vale destacar o Crowdsourcing Directory 10, um blog especializado na técnica, que conta com a participação de alguns especialistas no assunto de todo o mundo. Uma das ideias levantadas é a de que o conceito atualmente passa por um processo idêntico ao da Hype Cycle 11 de tecnologias emergentes, da Gartner, representado abaixo:

Imagem 1: Hype Cycle, da Gartner 12


Segundo os especialistas, o momento de euforia pelo qual as organizações passaram em relação ao crowdsourcing passou no início de sua implementação seria o “Pico das Expectativas Inflacionadas”, quando muitas empresas participaram de uma corrida por esse tipo de inovação. Logo em seguida, com alguns resultados aquém do esperado, veio o período de “Desilusão”, com o aumento das críticas e a menor adoção no mundo organizacional.

A ideia defendida dentro do Crowdsourcing Directory é a de que passamos atualmente por um período de “Declive de Esclarecimento”, ou seja, a fase em que o conceito começa a ser melhor entendido e utilizado pelas empresas, como o próprio Jeff Howe defende em seu blog 13, ou seja, o uso da técnica de modo valorizar o público e não apenas “usá-lo”.

Assim, as boas práticas de um projeto bem conduzido de crowdsourcing passam por elementos como:

• Comunicação clara e sincera com o público sobre os objetivos do projeto e os desafios apresentados;
• Formas igualmente claras de recompensar o público pelo esforço. Não é preciso necessariamente uma recompensa em dinheiro, mas sim expor claramente quais os benefícios decorrentes da participação, como divulgação do trabalho entre demais colaboradores e empresas, ou a simples colaboração;
• O público deve ser sempre diversificado, de modo a poder trazer soluções criativas e diferentes para os problemas;
• O uso de ferramentas e técnicas de mídias sociais, como comunidades, ajuda na colaboração e troca de conhecimentos entre os participantes, estimulando mais a participação.

Um bom exemplo de uso do crowdsourcing vem da companhia de software Mozilla, responsável, dentre outros produtos, pelo browser Firefox. O modelo adotado pela empresa é um dos mais bem-sucedidos que existem quanto à colaboração de pessoas das mais diversas formações. Por meio de uma série de canais disponibilizados em seu portal 14 na internet, a organização conta com colaboradores de todo o mundo, responsáveis por cerca de 40% de toda a produção da empresa, desde códigos até logotipos.

O modelo de colaboração do Mozilla não se sustenta apenas pelo fato de a companhia não ter fins lucrativos. De acordo com entrevistas 15 conduzidas junto a contribuidores da empresa, o que importa mesmo é o compromisso da organização em criar uma comunidade de colaboradores e de liberar o acesso ao uso dessas inovações.

O estudo mostrou assim três principais razões que levam ao sucesso do modelo de crowdsourcing do Mozilla:

• Os interesses da organização estão alinhados aos do público;
• Os usuários podem obter reconhecimento pelos seus esforços;
• Os participantes podem interagir livremente com outros internautas com os mesmos interesses.

Além disso, algumas outras iniciativas servem para reforçar a ideia de amadurecimento do uso da técnica, como a utilização com sucesso do crowdsourcing por Barack Obama 16 em sua campanha eleitoral; o uso da técnica por parte do governo de Cingapura 17 para reduzir os gastos com projetos desnecessários para a população; e a iniciativa holandesa do Battle Of Concepts 18, que oferece aos estudantes universitários a possibilidade de auxiliar as organizações na solução de problemas internos, dando-lhes visibilidade no mercado.

Conclusão

O crowdsourcing, assim como grande parte das novas técnicas oriundas da difusão da Web 2.0 no dia a dia das corporações, ainda carece de tempo e uso para ser devidamente utilizado e para que se possa entender claramente quais as melhores maneiras que a técnica poderá ajudar as organizações em seus processos internos e inovações.

Fica evidente, porém, que o crowdsourcing passa por um período de amadurecimento de uso. Se por um lado as críticas e alguns maus resultados na implementação do conceito o colocaram em xeque em determinado momento, por outro têm servido como ferramenta natural para que a técnica tenha suas boas práticas de uso sedimentadas pelo mercado.

Em muito isso vai depender da adoção correta desta técnica pelas organizações: a utilização efetiva do crowdsourcing como via de mão dupla. Ou seja, se por um lado as corporações ganham com as ideias e o trabalho dos usuários, por outro, o público também é beneficiado, seja com a pura e simples satisfação em colaborar, seja com a divulgação de seu trabalho, ou com algum outro tipo de prêmio. A ideia central, novamente, é a de que a organização deve ser direta e sincera com o público e não tentar enganá-lo com recompensas que pouco agregam, ou com uma falsa cultura de colaboração.

Com o amadurecimento do uso, o crowdsourcing segue agora na fase que a Gartner denomina como “Plateau de Produtividade”, ou seja, o momento em que a nova tecnologia entra em um período de uso “sustentável”: atinge seu estágio de maturidade no mercado. Porém, ainda não é o momento de se trazer uma definição precisa de como será o futuro do seu uso, seja por grandes empresas, seja por iniciativas de pequenos empreendedores, mas sim destacar que a boa utilização da técnica aponta diretamente para benefícios tangíveis e claros para as organizações.



Bibliografia


  1. SUROWIECKI, James. The Wisdom of Crowds: Why the Many Are Smarter Than the Few and How Collective Wisdom Shapes Business, Economies, Societies and Nations.Doubleday, Anchor, 2004, EUA, 336 pgs.
  2. HOWE, Jeff. Crowdsourcing. Why the Power of the Crowd is Driving the Future of Business. Crown Business, 2008, EUA, 312 pgs.
  3. http://istockphoto.com 
  4. BRABHAM, Daren C. Moving the Crowd at Threadless: Motivations for Participation in a Crowdsourcing Application.
    http://www.darenbrabham.com/files/brabhamthreadless.pdf
  5. http://www.businessweek.com/innovate/content/jan2010/id20100122_047502.htm
  6. http://zero.newassignment.net/
  7. http://www.newassignment.net
  8. GEERTS, Simone, A. M. Discovering Crowdsourcing. Theory, Classification and Directions for Use. http://alexandria.tue.nl/extra2/afstversl/tm/Geerts%202009.pdf
  9. http://www.forbes.com/2009/09/28/crowdsourcing-enterprise-innovation-technology-cio-network-jargonspy.html
  10. www.crowdsourcingdirectory.com
  11. http://www.gartner.com/pages/story.php.id.8795.s.8.jsp#2
  12. http://en.wikipedia.org/wiki/Hype_cycle
  13. http://crowdsourcing.typepad.com/
  14. http://www.mozilla.org
  15. http://www.businessweek.com/technology/content/jul2009/tc2009071_384108.htm
  16. http://change.gov
  17. http://app.mof.gov.sg/cutwaste
  18. www.battleofconcepts.nl; www.battleofconcepts.com.br